Um canto e batidas de tambor contra o racismo e a discriminação às religiões de matrizes africanas foi o que ecoou na sessão solene em alusão à Comenda Mãe Doca, realizada nesta quinta-feira (21), no plenário Newton Miranda, no Palácio da Cabanagem, da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). A sessão é uma homenagem aos Cultos Afro-Brasileiros, conforme determina o Decreto Legislativo de número 05/2009, que instituiu a sessão anual e a entrega das honrarias.
Em seu pronunciamento, a deputada Lívia Duarte (PSOL) concordou com a necessidade de se lutar contra a discriminação e propôs a conformação de uma luta institucional em defesa da liberdade religiosa nos terreiros, destacando a necessidade de regularizar estes territórios religiosos. “É necessário que os terreiros tenham CNPJ e possam receber emendas parlamentares e apoio institucional”, defendeu.
Até 2003, as instituições religiosas de matriz africana também eram registradas com natureza jurídica de associações ou fundações, pois eram as únicas opções possíveis. No entanto, com a Lei nº 10.825/2003, as Organizações Religiosas foram incluídas no rol das pessoas jurídicas de direito privado, determinando que “são livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas". “É vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos necessários ao seu funcionamento”, é o que diz o artigo 44, §1º do Código Civil.
Para Babá Edson Catendê, do Fórum Permanente Afro Religioso do Pará (FOPAFRO), o Estado Brasileiro e o do Pará têm o papel de respeitar o direito, reparar e proteger este povo que construiu o Brasil. “Até porque o Pará é o Estado que tem a maior população de negros, negras e pardos do Brasil. E o Brasil é o que tem mais negros e negras vindos da diáspora, depois de África”, informou.
Ele ressalta que, apesar destes números, continuam morrendo pessoas por causa da intolerância religiosa, e citou o exemplo do assassinato, em março de 2022, em Belém, do jovem Vinicius Gonçalves, de 20 anos. A vítima era praticante do candomblé como sacerdote - equivalente a um padre da igreja católica e ao pastor da igreja evangélica, e tinha um papel de liderança na religião. Era conhecido como Taata Kimbelenkosi, do tradicional terreiro Mansu Nangetu.
Mãe Wanda de Ogum, representando as mulheres religiosas de matriz africana e representando as Comendadoras de Mãe Doca, ou seja, as que receberam a comenda antes desta edição, reverenciou Mãe Doca. “Ela foi muito importante para nós, mulheres negras, de periferia, Ialorixás, reveladoras de santo, como chamam, ao trazer o culto do Tambor de Mina, vindo do Maranhão, em março de 1891, três anos depois da abolição da escravatura”, historiou.
No relato, mãe Wanda informou que Mãe Doca sofreu muito preconceito. “De lá para cá, nosso povo sofreu muito crime de racismo religioso, não podíamos tocar nossos tambores e atabaques, as casas eram invadidas, muitos foram presos. Queremos banir isso de nossas vidas, porque temos o direito de professar a nossa fé e de tocar nosso tambor”, defendeu. Para ela, a intolerância religiosa caminha junto com o racismo, então pediu punição contra quem pratica esses crimes, citando vários exemplos praticados contra ela e seus irmãos de fé. “Não queremos ser só tolerados, queremos ser respeitados, porque o Estado é Laico”, definiu.
Em nome dos homenageados, falou o Pai Denílson de Oxaguian, gerente de Política Racial da Secretaria de Estado de Igualdade Racial e de Direitos Humanos do Pará. “Precisamos defender e organizar uma Frente de Comendadores como novo instrumento de luta contra o racismo religioso do Estado do Pará”, propôs. Ou seja, um Fórum para reunir todas aqueles que receberam a Comenda na Assembleia Legislativa.
“Temos que nos 'apossar' de fato e de direito de nossos espaços, lutar contra a invisibilidade que tentam nos impor. Somos cultura, segmento religioso, povos tradicionais de matriz africana que apenas pedem respeito do Estado que é laico até por determinação constitucional”, disse. Para Pai Denílson, o recebimento da comenda não encerra o papel dos homenageados. “Temos o papel de como comendadores formar outras lideranças para fortalecer nossa luta e identidade”, finalizou.
Reportagem: Carlos Boução - AID - Comunicação Social
Edição: Natália Mello - AID - Comunicação Social