“Roda, roda, roda com os bracinhos no ar e não fica tonta nem sai do lugar. Põe no cabelo uma estrela e um véu e diz que caiu do céu. Esta menina tão pequenina quer ser bailarina”. Os versos de Cecília Meireles traduzem bem o sonho pela arte do balé. Dezenas de crianças sentaram-se no chão, em frente ao palco, e acompanhavam de olhos vidrados cada ato, cada ousado movimento que desafiava a gravidade, as luzes, as cores do palco... Logo atrás delas, centenas de adultos assistiam atônitos a arte e o drama trazido para terras canaenses. E, sem querer, o contraste, entre o sonho pulsante de balé das crianças e os sonhos esquecidos no passado pelos adultos, aconteceu. Na noite desta quinta-feira (28), a Casa da Cultura de Canaã dos Carajás trouxe, por meio do Instituto Moinho Cultural, a Companhia de Dança Pantanal e a certeza de que a arte é possível, muda vidas e que os sonhos de balé, outrora narrados pela poetiza Cecília, são viáveis.
Com casa cheia, o evento entrou para a história de Canaã. Pela primeira vez, uma apresentação de balé clássico veio às nossas terras. Alguns clássicos da dança mundial vieram à cena, entre eles, o famoso “Quebra Nozes”. Com muita emoção, os bailarinos formados pelo Instituto deslizaram pelo palco em complicadas séries de movimentos, divididos entre vários atos. A dança na ponta do pé lembrava à todos da beleza, da leveza e da força que a vida exige de cada um.
O evento, no entanto, começou bem cedo. Durante todo o dia, workshops foram realizados. O principal objetivo era a formação de uma rede intermunicipal de fomento à cultura na região sul e sudeste do Pará. Pessoas de várias cidades vizinhas estiveram presentes no debate na busca por resultados melhores na cultura da região. Na parte da tarde, a Casa da Cultura recebeu a ilustre presença de Marcia Rolon, diretora executiva do Instituto Moinho Cultural que tem sede na cidade de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, já na fronteira do Brasil com a Bolívia.
O principal objetivo era a troca de experiências e o debate sobre o método educacional utilizado pelo Instituto na formação de novos artistas. Marcia explicou que o intuito da instituição, que fundou e dirige, é unir a música, a dança, a educação e a tecnologia para iniciativas na redução da vulnerabilidade de crianças e adolescentes. É a arte servindo como agente social e transformando a vida de milhares de pessoas para melhor. Segundo a diretora, a gestão e a metodologia do Moinho se baseia em três alicerces: o que se ama, o que se pretende e o que é possível.
A diretora da Casa da Cultura, Cátia Weirich, falou sobre o evento: “Na Casa da Cultura é a ´primeira vez que vem um espetáculo como este. Esperamos que seja apenas o primeiro de muitos que ainda virão. Futuramente, com certeza, teremos bailarinos de Canaã. E hoje temos um recorde de público aqui.”
Marcia Rolon lembrou que essa é a primeira turnê do Moinho e falou também sobre a satisfação pelo momento: “Em primeiro lugar, estamos muito felizes por estar aqui em Canaã. O projeto é encantador, trabalha com crianças do Brasil e da Bolívia. Quase 300 crianças passam por lá diariamente para aprender música, dança, tecnologia, a sonhar e a realizar. Eu sou uma sobrevivente da arte, precisamos acreditar em um mundo melhor para a criança e a família precisa estar envolvida nisso.”
A magia dos números clássicos foi substituída pela “agressividade” do balé contemporâneo. Com movimentos mais bruscos e, propositalmente, menos simétricos, a dança falou sobre os problemas sociais com muita categoria e propriedade. O evento, que aconteceu em parceria com a Fundação Vale, se estendeu até as 21:30 e, ao fim, a Companhia de Dança do Pantanal foi aplaudida de pé por uma plateia absolutamente encantada com as apresentações.
Conforme a fala de Marcia, o sonhar e o realizar precisam andar lado-a-lado. Em uma noite que tudo se mostrou possível, os rodopios do balé, em desafio à gravidade, nos fazem perceber que os desafios são grandiosos e que precisamos enfrentar cada turbulência, tal qual bailarina, na ponta do pé, com graça, leveza e força. Nada mais certo do que apostar nos sonhos das maravilhadas crianças e nada mais justo que permitir aos adultos o deleite de viver, de novo, os seus sonhos esquecidos sob os escombros do tempo. “Esta menina quer ser bailarina” e, no fundo, no fundo, quem não quer, Cecília?