16/09/2017 às 16h49min - Atualizada em 16/09/2017 às 16h49min
Dá pra 5?
Uma vez, meses depois de fechar o cursinho Conteúdo, resultado de uma sociedade que o amigo João Vital chamava de quadrilha, num daqueles períodos de vacas raquíticas, praticamente tísicas, magras é apelido, sabe?
Uma vez, meses depois de fechar o cursinho Conteúdo, resultado de uma sociedade que o amigo João Vital chamava de quadrilha, num daqueles períodos de vacas raquíticas, praticamente tísicas, magras é apelido, sabe?, aquelas fases que eventualmente me tomam com a gula de vales cavando montanhas, num desses momentos, catei as moedas espalhadas no kitchenette do Vale dos Infelizes, meu hábitat nos tempos difíceis, e fui até a baiúca da esquina na esperança de comprar o almoço de 2ª feira.
- Bom dia! O senhor tem ovo?
Antes de grunhir um sim ressabiado, o baiuqueiro me dissolveu com os olhos lassos, típicos dos baiuqueiros.
- Me dê um, por favor?
Depositei o punhado de moedas sobre a tampa verde de um pote cheio de balas Juquinha, aquelas que grudam no céu da boca. Os olhos do homem, castanho-opacos, ainda me derretiam. Os globos, tufados, um par de luas cheias, querendo sair do rosto.
Eu, minguante, notei que o baiuqueiro contou o dinheiro com a ponta dos dedos, sem precisão de olhá-lo, como se as moedas fossem forjadas em Braille.
- Tem um real aqui! – disse o zolhudo, em tom de ralho, encolhendo-me, tal como se encolhe uma lesma cutucada.
- É que...
Antes que eu pedisse desculpas, sem saber por quê, o olho de boto arrematou, impaciente, jogando as moedas numa pequena caixa de Nescafé, entocada sob o balcão:
– Por que tu não leva logo cinco, porra?
- Cinco? Dá pra cinco?!
Na época, dava. Saboreei aqueles ovos de 20 centavos, um por dia, de segunda a sexta, como se fossem a melhor refeição da minha vida.
Eu descobria ali que a felicidade é a capacidade de dar a uma eventual alegria o sabor da eternidade.
Mais do que isso, eu atentei para o valor de um real, tendo o ovo como parâmetro. Levei a descoberta tão a sério que, dali pra frente, e por um bom tempo, o preço do ovo passou a regular meus gastos.
Virou referência. Pra tudo.
A ponto de eu passar dos limites, certo dia, diante do pedido da Camilinha, ciosa em contribuir com uma festinha do Gentil:
- Papai, você pode me dar 5 reais?
- Cinco reais, filhota?! Você sabe quantos ovos dá pra comprar com 5 reais? – reagi com exagero.
Mas como não sou um monstro, assenti:
- Tome. Leve 2!
E antes que ela sumisse numa nuvem de decepção, arrematei: