Morreu o Negro Gato. Luiz Melodia, o Sábio do Morro. Um dos meus heróis de carne e osso. Sem superpoderes, mas com supertalento: SuperEle! Qualidade que o torna inesquecível – mas não imortal.
Sim, meus heróis morrem, e como têm morrido ultimamente. Isso me dá uma tristeza tão grande... Quando acontece, transformo a angústia em texto. É espontâneo, quase imediato. Flui assim, sem adorno. Papo reto. Como se, nessa espécie de catarse, eu apenas obedeça, escrevendo o que a angústia me mande escrever.
Uma semana atrás, quando o Poeta do Estácio fechou o riso, não escrevi. Senti tristeza, veio a angústia, mas não escrevi. O que me fez sofrer ao quadrado: por tê-lo perdido e por me perder no caminho entre a dor e a expressão do quanto doi.
De lá pra cá, enquanto revivi o Melodia, vendo-o, ouvindo-o, me lembrando ou falando dele, entendi por que não fiz um texto sobre um cara que tanto me faz falta quanto me completa, com a generosa parte dele que faz parte de mim. Sabe o que é?
Tô com sintomas de saudade. Simples assim.
Se me permitem somar Marisa Monte com Cartola, multiplicados pelo exagero que me é peculiar, eu diria que...
Nada consigo fazer / quando a saudade aperta / foge-me a inspiração / sinto a alma deserta
Talvez não tenha escrito, também, porque o texto somente me conforta quando comporta minha dor, acolhendo-a para sossegá-la. Quando dá ao sentimento um ambiente de expressão, supostamente sob meu domínio, para que ele não se traduza apenas por espasmos nem por recolhimento.
É um problema quando o sentimento vence e o texto não vem. Eu fico com essa dor / ou essa dor tem que morrer?
Se é verdade que a dor nos ensina a vontade de não ter, como canta o Melodia, com aquela voz cristalina que vai do suave sopro de um fagote à flutuação de um violino em dó, só há um caminho para a paz.
Eu fico manso e amanso a dor...
Foi o que fiz de ontem pra hoje, companheiro da madrugada, tentando ser sábio como um peregrino, no voo cego de inseto sem direção. Colhendo, nas pegadas do poeta do Estácio, o que ficou pra sempre em mim desse caleidoscópio de referências que a morte não tira dele.
Referências feitas de rock, blues, soul e samba, gêneros distintos que coube a Luiz Melodia atar como ninguém, harmonizando-os para sempre como o ébano e o marfim foram casados nos pianos, vertendo clássicos que têm o condão das fadas:
Um toque de sonhar sozinho / te leva em qualquer direção.
Foi assim, perdendo-me para me reencontrar, que este texto foi saindo. Mas, mesmo depois de feito, confesso, recorrendo de novo a Cartola, precursor de Melodia... Mesmo depois de feito, cumprido meu desafio:
Um vazio se faz em meu peito / E de fato eu sinto em meu peito um vazio.
Ele tá aqui, mas tá faltando ele.
Pra sempre.