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30/05/2019 às 18h18min - Atualizada em 30/05/2019 às 18h18min

Detentas de penitenciária de SP lançam livro de poesia: 'De nada adianta ser uma lâmpada apagada se não for para brilhar'

Obra reúne textos produzidos durante três anos de sarau na Penitenciária Feminina da capital.

- Jornal In Foco
G1
Em zulu, uma das línguas oficiais da África do Sul, duas sul-africanas cantam uma música gospel, que pede a força de Deus para encarar as dificuldades. Outras declamam poesias próprias, e há quem prefira cantar músicas de artistas como Paula Fernandes ou da banda Natiruts. Um grupo formado por 45 detentas da Penitenciária Feminina da Capital, na Zona Norte de São Paulo, se reúne toda quarta-feira, há três anos, para participar do Sarau Asas Abertas.
 
Com mais de mil poesias produzidas neste período, nesta quarta-feira (29) as presas lançaram um livro com 101 textos que foram selecionados pelo coletivo “Poetas do Tietê”, que ministra as oficinas de poesia. O livro de poemas foi viabilizado pelo Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais, da Secretaria Municipal de Cultura.
 
 
O encontro é realizado em uma capela da penitenciária, das 16h30 às 18h30. No dia, 35 presas estavam presentes. A participação é voluntária e não resulta na diminuição da sentença.
 
Hoje, 543 detentas cumprem pena no local, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). Destas, 144 são estrangeiras, de 38 nacionalidades diferentes. Dos quatro pavilhões do presídio, um é ocupado só pelas presas de fora do país. No sarau, metade das participantes é estrangeira, de países como Venezuela, Bolívia, Colômbia, Filipinas, Namíbia, Tailândia e Angola. A maioria foi presa por tráfico de drogas.
 
“É um sarau que a gente fala três línguas, o português, o inglês e o espanhol, ninguém fala direito nem um nem outro, mas a gente se entende”, brinca Jaime Queiroga, funcionário público que trabalha como voluntário no sarau desde sua criação.
Quando o barulho das conversas fica mais alto, o método de chamar a atenção de volta do público é puxando a frase “respeito é para quem...”, dando a deixa para que completem: “tem”. Com a atenção reconquistada, a pessoa que está no centro do semicírculo continua a recitar sua poesia ou cantar uma canção.
 
A frase é de uma música de Sabotage, cantor de rap, gênero musical utilizado nas oficinas de poesia, assim como o funk. “A gente traz o Drummond, Álvaro de Campos, Vinicius de Moraes, mas também a gente traz o próprio Paulo D'Auria, o Miragaia, o Sérgio Vaz, a poesia que a gente chama de poesia marginal”, explica Jaime.


Grupo de detentas da Penitenciária Feminina da Capital participa de sarau de poesia. Os encontros acontecem em capela do presídio 
 
Renovação e ‘fuga da realidade’
 
A maranhense Maria Edivânia da Silva, de 32 anos, está presa há sete anos. Quando chegou sua vez de falar no sarau, ela começou a ler seu caderno: “Hoje eu estava triste, e quando estou triste começo a relembrar minha história. E o caderno é meu amigo”.
 
Edivânia contou que foi abusada aos 13 anos e que, na época, a mãe não acreditou nela. Depois, se mudou para São Paulo, começou a frequentar a Cracolândia e a usar e vender drogas, até ser presa. Depois de quatro anos na cadeia, conheceu o grupo de poesia.
 
“O sarau representa praticamente a minha vida. A minha renovação”. Ela conta que chegou a tentar o suicídio quando estava na prisão. “Me pegaram com a corda no pescoço”. Nos últimos anos de sarau, Edivânia disse que teve uma felicidade que nunca teve na infância ou na adolescência.
 
“Eu gosto de escrever porque é algo que te dá alívio. Você se sente bem. Se você está triste, você pega um papel, uma caneta. Se você está feliz, se teve uma notícia boa, você também escreve”, diz Edivânia.


Presa da Penitenciária Feminina da Capital mostra texto produzido durante sarau de poesia

Talita Bonfim, de 30 anos, está cumprindo pena pela terceira vez por tráfico de drogas. Nesta última, chegou ao presídio grávida de três meses. Após ter o bebê na prisão, conheceu o sarau em uma apresentação de Dia das Crianças, quando ainda estava amamentando. Depois que seu filho completou seis meses e foi levado por sua família, ela começou a participar do grupo.
 
“É um momento que a gente foge um pouco da realidade da cadeia, né. A gente se desenvolve muito, aprende com as pessoas, enxerga o sentimento da próxima. Enxerga também que você tem capacidade de escrever algo”, disse Talita, que é conhecida como “hippie”, referência aos anos que passou rodando o país quando vendia artesanato.
 
Fã dos livros espíritas da Zibia Gasparetto e do Paulo Coelho, em suas poesias, Talita conta do vício em drogas, que “estraçalhou” sua vida. “Querendo ou não eu traficava para sustentar meu vício, então quando eu me vi nesse momento [de dependência química], eu estava na rua, mas eu estava presa. Estava presa de outra forma, a pior prisão, eu aprisionei a minha alma”.
 
Outra coisa que explora em suas poesias é o amor por sua família. Para ela, esta foi a prisão mais dolorida, por causa da separação do bebê. “E aí fez eu valorizar mais ainda minha família. E eu expresso muito isso nas minhas poesias. Que eu fico muito sentida pelas decepções que eu causei, mas que eu sei que tenho força para reconquistar, para recomeçar de novo”.
 
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